Yesterday e Help

A história de duas canções

 

Uma bela manhã do primeiro semestre de 1965, Paul McCartney, contrabaixista dos Beatles, pulou da cama com uma melodia na cabeça. Correu para um piano que estava por perto e a tocou por inteiro. Gostou e ficou pensando - será que já existe algo parecido? Como não havia letra ainda, ele batizou provisoriamente a nova música de “Ovos Estrelados”, só para criar uma referência.

 

A situação era a seguinte: Paul era hóspede da namorada a atriz Jane Asher, por sinal bem sofisticada já que representava teatro clássico, Shakespeare para ser mais específico. Na casa de Jane se respirava cultura - o pai era psiquiatra, a mãe professora de música, o irmão músico e a irmã atriz de novela de rádio, uma moda na época. Através de Jane, Paul começou a ter contato com a música erudita, tipo Vivaldi, e de repente começou a incorporar influências além do rock and roll.

 

Ao fazer a melodia de Yesterday, que por enquanto não tinha nome nem letra, o músico sentiu que tinha criado algo diferente, e a tal música simplesmente grudou no cotidiano de Paul. Na época os Beatles estavam gravando o seu segundo filme ‘Help’ (Socorro), e Paul aproveitava os intervalos das filmagens para ficar tocando a tal melodia o tempo todo em um piano no estúdio, a ponto do diretor do filme Richard Lester falar que se ele não parasse de tocar aquela musiquinha insistente ele tiraria o piano do estúdio.

 

Um belo dia, Paul foi tirar umas férias em Portugal juntamente com a namorada Jane Asher, e na casa em que ele se hospedou tinha um violão Martin 1958. A partir daí surgiu a letra que fala de desilusão amorosa pura e simples, de um homem que antes tinha o amor como um brinquedo, mas que ao perder a mulher amada se havia reduzido a metade do que ele era antes.

 

Fazia sentido na medida em que Jane, a namorada de Paul vivia viajando com o grupo teatral no qual trabalhava, e ele por sua vez tinha lá os seus compromissos com os Beatles, de modo que a saudade passou a ser um sentimento recorrente para o Beatle. Era algo assim – “Eu tenho todas as mulheres que eu quiser a hora que eu quiser menos a mulher que eu amo”.

 

Bem, com a música completa Paul mostrou para os três Beatles restantes, e eles afirmaram que não tinham mais nada a acrescentar, de modo que Paul deveria mesmo era gravar Yesterday sozinho ao violão. O produtor George Martin, um maestro que trabalhava nos arranjos dos Beatles, sugeriu o acréscimo de um quarteto de cordas, com dois violinos, uma viola e um violoncelo, e para isso escreveu um arranjo adequado, com a intenção de que a música seria executada a moda clássica.

 

Em meados de junho de 1965, a música foi gravada com Paul ao violão, e os quatro músicos eruditos tocando as cordas.  Curiosamente na mesma sessão de gravação Paul gravou  “I’m Down” um rockão super-berrado a plenos pulmões, o que o fez transitar em dois estilos diferentes em curto espaço de tempo. A música foi incluída na versão inglesa do álbum, Help”, e bem, o resto é história.

 

HELP - UM PEDIDO LITERAL DE SOCORRO

 

No mesmo período no qual Paul compôs Yesterday, John Lennon, guitarrista ritmo dos Beatles, escreveu Help (Socorro). John estava sentindo incomodado com o exagerado sucesso dos Beatles, isso segundo o seu próprio ponto de vista. A falta de privacidade e sossego, e o fato de ter que representar o personagem Beatle o tempo todo, o estava angustiando e o tornando insatisfeito consigo mesmo.

 

Resultado - John acabou compondo sozinho a música Help, um pedido de socorro literal e direto, algo tipo “Socorro, me ajudem, que eu sou um Beatle, estou rico e famoso e isso está me incomodando e tirando a minha paz”.

 

Para completar no período das filmagens de Help, o consumo de maconha se tornara freqüente entre os Beatles, de modo que qualquer interrupção dos trabalhos no filme, era pretexto para que a banda procurasse um lugar mais isolado para fumar um cigarro da erva, para depois ficar rindo a toa o tempo todo. Mesmo assim, interiormente John parecia estar mesmo sofrendo.

 

Ao compor a música John a mostrou a Paul que colaborou apenas com o contracanto, que é aquela melodiazinha paralela que a gente ouve na música. A música em si é toda de John apesar do crédito Lennon e McCartney, que é apenas um arranjo jurídico.

 

Em meados de abril de 1965, a música foi gravada com George na guitarra, John no violão elétrico, Paul no baixo e Ringo Starr na bateria. A verdade é que a canção passou a ser o tema do filme no qual eles estavam trabalhando, e acabou dando título ao mesmo, se tornando assim mais um sucesso mundial dos Beatles.

 

O que se observa é que John e Paul, os compositores da banda mais famosa do mundo, compuseram em separado canções versando sobre sofrimento interior, justo quando a vida lhes parecia generosa. Isso leva a concluir que a felicidade nem sempre reside no êxito e na opulência, e sim em coisas aparentemente pequenas, mas que são abrangentes e ricas na sua essência.

 

Luiz Antônio Alencar (Peninha)
Eterno Big Brasa, músico e jornalista.



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