Um "bigu" quase “em cana”

 

 

 

Nas movimentadas tardes e noites de sábado, invariavelmente eu me deparava com alguns acidentes de trânsito, durante o trajeto de nossa casa para os clubes, e principalmente na volta das funções musicais, pelas madrugadas.

 

Carros virados, polícia no local e, dependendo do horário, aglomerações, eram ocorrências comuns. A antiga BR-116 era muito estreita e de mão-dupla, o que aumentava substancialmente o perigo de batidas e de atropelamentos, em especial, no trecho da Aerolândia, o mais perigoso, pelo tráfego intenso de automóveis, caminhões, ônibus, carroças, bicicletas e pedestres, atravessando a pista a qualquer momento. 

 

Em uma das noites de sábado, o Big Brasa tinha sido contratado para tocar em um clube de subúrbio de Fortaleza, no fim da Avenida Leste-Oeste. Eu saí de casa por volta das 20:00h, acompanhado pelo Sérgio, bigu, de modo a chegar ao clube um pouco mais cedo, para ligar e testar os equipamentos. Meu carro era um corcel vermelho, de duas portas, muito legal.

 

Na avenida D. Manoel, ao chegar à altura da Santos Dumont, parei no cruzamento para aguardar o sinal, que estava fechado. Alguns segundos e sentimos uma batida, de leve, na traseira de nosso carro. Olhei pelo espelho retrovisor e vi uma camionete, com três caras no banco da frente, sorrindo para nós. Naquela hora, tive um ímpeto de descer para tomar satisfação. Enquanto raciocinava, os caras deram nova batida, empurrando ligeiramente o corcel para a frente, no sentido claro e evidente de nos provocar. Mas o sinal abriu e eu, felizmente, pude arrancar e seguir, de maneira a deixar aqueles caras para trás. Naquele noite, mais uma vez tive bom senso para avaliar, e não aceitei aquela nítida provocação. Mas havia algo para acontecer, aquele noite ainda nos reservava uma surpresa...

 

Ao chegar ao clube, efetuamos nosso trabalho de montagem e testes de equipamentos, como de rotina, e às 22:00h a festa teve início. Depois de duas horas de baile, o Sérgio aproximou-se e disse que estava com muita dor de cabeça, pedindo as chaves do carro para ir dormir. Como nós tínhamos montado aquele carro na semana anterior, após uma pintura, ele sabia que somente a porta do motorista estava abrindo, mesmo enganchando um pouco, a outra estava com defeito. Mesmo assim eu avisei para ele, sobre um jeito especial para abrir a tal porta. Continuei tocando normalmente e o Sérgio saiu do clube, desaparecendo entre a multidão. Cerca de dez minutos depois, aparece o Sérgio, p... da vida, (foto ao lado) agarrado pelos braços por dois soldados da Polícia Militar, tentando falar algo para mim. Ao me aproximar, ainda com a guitarra, ouvi ele dizer, quase chorando e com muita raiva:

 

- Beiró, esses caras estão querendo me prender, não acreditaram que eu trabalho no conjunto! E em vão, tentava se soltar dos policiais... Naquele momento eu entendi o que se passava. Expliquei ao pessoal da polícia que o Sérgio realmente era nosso bigu, e tão logo esclarecida a situação ele prontamente foi solto. O que aconteceu realmente, era que uma patrulha móvel passava pelo estacionamento do clube, quando avistou um cara - que era o Sérgio - tentando abrir a porta de um carro, provavelmente para tentar “puxá-lo”, como se diz na gíria policial.

 

Ao ser abordado pelos soldados o Sérgio não portava nenhum documento pessoal, muito menos os documentos do carro, que estavam em minha posse. Uma “atitude suspeita”, conforme é mencionada em um manual de orientação dos policiais militares. Portanto, não acreditaram naquela história dele, de dor de cabeça, e resolveram confirmá-la, entrando no clube e falando pessoalmente comigo. Na oportunidade, eu cheguei mesmo até a agradecer aos policiais pela prontidão daquele “serviço prestado”. 

 

O Sérgio, por via das dúvidas, não quis mais sair do clube, permanecendo conosco, no palco, até o final da animada festa.

 

 

João Ribeiro da Silva Neto

Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)



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