Erro de cálculo em Quixeramobim

 

 

 

O Big Brasa, no final de 1970, foi contratado para animar um baile de término de curso no interior do Ceará. Viajamos normalmente, pela BR-116, passando pela localidade conhecida por “Triângulo”, depois por Quixadá, para chegarmos ao município de Quixeramobim. O término de curso iria se realizar no principal clube daquela cidade. No local da festa muita movimentação, preparativos por parte do clube e a moçada da cidade aguardando a chegada do conjunto. Enfim, a expectativa do pessoal por aquela festa era grande....  

 

Tratamos logo de providenciar toda a instalação do equipamento, conforme de costume. O palco do clube, bem amplo e com uma altura razoável, certamente nos proporcionaria uma boa distribuição de som, além do que nossa visão da pista de dança era muito boa.

 

Em nosso repertório tínhamos valsas muito bonitas e bem ensaiadas, para essas ocasiões. Dentre elas Contos dos Bosques de Viena, Vozes da Primavera e a Valsa da Despedida, as mais solicitadas. Acertamos os detalhes com um dos diretores do clube, sobre o horário que seriam tocadas. Ficou combinado que o Big Brasa começaria a festa normalmente e dentro de uma meia hora chamaria os concludentes para dançar a primeira valsa. E iniciamos o tal baile.

 

O clube estava muito bem decorado, os presentes bem vestidos, com destaque para os concludentes e seus padrinhos e madrinhas, estes com vestimentas muito caprichadas.  Logo que o conjunto iniciou o baile, o pessoal começou a dançar e o salão superlotou. Algumas garotas perguntaram se podiam subir ao palco para dançar ao lado do conjunto. Respondi, sorrindo:

 

- Claro que sim, podem e devem.

 

E elas se juntaram ao envolvente e pesado som do Big Brasa. Muita animação era ótimo para nós, porque quando as coisas estavam assim significavam um baile fácil de tocar - e o tempo passava mais rápido, também. Por volta das 22:30 horas nós interrompemos a música para anunciar a primeira valsa, fazendo uma breve parada a fim de que todos os concludentes se reunissem no salão.

 

Olhando aqueles casais de cima do palco, um a um, descontraidamente, enquanto aguardávamos todos chegarem, notei que um dos padrinhos, um cara bastante   alto, estava visivelmente “melado”, com o andar trôpego e os olhos meio trocados. Aquele jeitão de quem “tomou todas”. Achei graça ao notar o tal elemento e o mostrei, discretamente, para todo nosso pessoal. Mas até aquele momento tudo estava bem, nada de anormalidades.

 

E começou a valsa. O salão repleto de pares elegantes enquanto que a platéia, nas mesas em redor do salão, observava tudo aquilo com muita atenção. Fotógrafos circulavam para lá e para cá, tentando as melhores poses dos casais.

 

Dava até para desconfiar, de tanta organização, de tudo certo até demais. Aí é que mora o perigo, segundo a Lei de Murphy... Nesses casos sempre tem uma desmancha-prazer. Aquela noite era a vez do tal sujeito, que estava muito “chumbado”. Ele começou a dançar e quase não acertava o passo, cambaleante. E a valsa seguia de forma normal, ao contrário da cabeça daquele cara, visto que começava a girar em alta rotação com os rodopios que tentava fazer com a valsa, sempre perdendo o centro de gravidade. E nós todos olhando para o cara e esperando um desfecho negativo qualquer. Como ele era bem mais alto do que seu par, de vez em quando abraçava a jovem concludente, de maneira que ela não pudesse ver seu rosto e notar os enjôos que estava sentindo. E fazia um trejeito, como se estivesse golfando, ou mesmo prestes a vomitar. E assim continuou por algumas vezes, sob o olhar atento de todo o nosso pessoal. E seu mal-estar foi aumentando, ao passo da valsa. Em cada volta que fazia, víamos que a situação dele ia piorando.

 

Mais alguns segundos fatais e ocorreu o lamentável desastre. O coitado, vendo-se na iminência de vomitar, sem dar tempo de desvencilhar-se daquela jovem, abraçou-a fortemente, de modo que pudesse vomitar por cima de seu ombro tranqüilamente e tudo cairia apenas no chão. Ele pensou assim, mas a coisa saiu completamente errada.

 

Por um erro gravíssimo de cálculo, abriu aquela bocarra e soltou um jato tipo “spray” por cima do ombro da mocinha, com tudo aquilo que tinha armazenado em seu estômago naquele dia. A meladeira foi horrível, atingindo de raspão todo o vestido de seu par, que ficou completamente borrado de cima a baixo. Os casais em volta afastaram-se rapidamente para se livrar daquele banho de suco gástrico misturado à cachaça e a tudo o que tem direito. A moça, completamente assustada com a cena, largou seu “belo” padrinho, começou a chorar e correu desesperadamente até a perdermos de vista. Não retornou mais ao baile. O cara foi levado para algum local, bem distante, para que se livrasse de uma “prensa” por parte dos pais da concludente.

 

Durante tudo isso o conjunto não parou a valsa, o que nessas ocasiões sempre foi a maneira correta de agir, para não chamar mais a atenção sobre o ocorrido. Assistimos tudo de camarote. Noite “inesquecível” para aquela garota e fato imperdoável para aquele irresponsável. 

 

 

João Ribeiro da Silva Neto

Do livro "O Big Brasa e minha vida musical" (1999)



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